Blog de Cultura Libertária

Barbárie é um texto, uma visualização, daquilo que ocorre nos novos e velhos mundos. Idéias libertárias, sem egocentrismo, sem a arrogância de velhos e novos arautos pseudo-libertários. Ação e Cultura alternativa, ecologia e solidariedade.







sábado, 25 de setembro de 2010

Lagoa da Paixão e Cidade de Plástico

DA ESTÓRIA DA COBRA QUE COMIA AS PESSOAS,

ÀS PESSOAS QUE COMERAM A COBRA E POLUIRAM A LAGOA

Eduardo Nunes
Igor Sant'Anna

O que vamos fazer com a lagoa da Paixão no bairro de Fazenda Coutos em Salvador? Alguém sabe quantos seres dependem dessa lagoa para sobreviverem com dignidade, i.e, animais, vegetais com direito a uma vida digna, incluindo as pessoas?

Na lagoa da Paixão há uma multiterritorialidade, bastante conflitiva, pulsante no território (HAESBASERT, 2004), cenário composto de vacas que descansam impavidamente admirando a lagoa em uma área de capim, separada, por uma rua de barro, do complexo, “Parque Empresarial da Lagoa” inaugurado em 2006 pelo Governo do Estado da Bahia. Atrás das vacas está o conjunto habitacional popular Morada da Lagoa e atrás do complexo empresarial está a chamada “Cidade de Plástico” (CP). A cidade de plástico está de frente para a Lagoa da Paixão. A lagoa de frente para as vacas e, por detrás delas, está o conjunto popular.

A CP é um conjunto de casas cobertas em grande parte por plásticos pretos, a exemplo dos assentamentos ao largo das estradas do MST. Um quilombo misturado com um aldeamento indígena, superpovoado, resistentes. Na entrada da CP, diversos postes improvisados carregam energia para dentro dos barracos de plásticos, algumas das crianças que moram ali estudam na escola municipal Ítalo Gaudenzi. A escola tem uma boa estrutura física, cartazes pregados nas paredes mostram a preocupação com as questões sociais e ambientais, mas não são contextualizados, as imagens e fotografias são coletadas de revistas.

Um desses painéis apresenta o tema da primavera, é um mural repleto de desenhos de flores,  retiradas das imagens/ilusões de crianças e professores, mas que não estão associadas à realidade local. No entanto, na entrevista com um dos professores do colégio observa-se já uma preocupação e uma vontade de atuar integrando escola e comunidade, principalmente e prioritariamente, com os moradores da cidade de plástico que não são os responsáveis pela degradação da lagoa. Muito antes da chegada dos habitantes da CP a lagoa já estava sendo contaminada, não havia  preservação, mesmo sendo do Parque Metropolitano de Pirajá. Faltaria um envolvimento com a vida local, com os problemas do lugar. Onde entram nessa história que não é ensinada na escola, a CP, o complexo empresarial, o conjunto popular? e a nossa personagem central a lagoa e seus mitos ancestrais como os da cobra, o da antiga aldeia indígena e do antigo quilombo?

Um pensamento de Mike Davis em seu livro Planeta Favela, expressa bem essa situação, “Em vez das cidades de luz arrojando-se aos céus, boa parte do mundo urbano do século XXI instala-se na miséria, cercada de poluição, excrementos e deterioração”. (2006, p. 29)

A lagoa tem seus aliados, a mata do outro lado de sua margem. Uma capoeira onde existia antes pés de dendê e licuri, além de outras árvores nativas da Mata Atlântica, está combalida pela pressão das pessoas e de uma cidade que se periferiza de forma insustentável, mas que sustenta a lagoa com um pouco de energia que ainda possui, ao mesmo tempo em que a lagoa arrefece o corpo das plantas e dos animais que se abastece dela, diminuindo algumas e aumentando outras como que para si proteger.

A Lagoa da Paixão e a Cidade de Plástico agora são irmãs, é preciso que se ajudem mutuamente. Reterritorializar-se em vez de desterritorializar-se. Todo o processo de apropriação do território envolve a relação com poder, mas refere-se também à noção de preservação ambiental e qualidade de vida. Em relação ao poder contrapõe-se à idéia de territórios autônomos, autogeridos, participativos (SOUZA, 2006).

Estamos nos referindo a uma parte do território do Parque Metropolitano de Pirajá. Assim interrogamos: como promover uma educação para o desenvolvimento local sustentável desse território? Como propor um plano de bairro alternativo com casas ecológicas, saneamento ambiental e iluminação alternativas, saúde natural e cooperativas, apoio mútuo e liberdade?

Referências

DAVIS, M. . Planeta Favela. São Paulo: Boitempo, 2006.

HAESBAERT, R. . O Mito da Desterritorialização: do "fim dos territórios" à multiterritorialidade. 1. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2004. v. 1. 400 p.

SOUZA, Marcelo Lopes de. A prisão e a Ágora: refelexões em torno da democratização do planejamento e da gestão das cidades. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2006.